segunda-feira, março 11, 2002

...Não devia


Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia. A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar mais para fora, a não abrir as cortinas. E à medida que se acostuma, esquece o sol, o ar, a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado, porque está na hora. A tomar o café correndo, a ler o jornal no ônibus, porque não pode perder tempo. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite, a deitar e dormir pesado, sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, não acredita nas negociações de paz.
...A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes. A abrir revistas e ver anúncios. A ligar a TV e a assistir a comercias. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição, às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro, à luz artificial e seu tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. A não ouvir passarinhos, a não ter galo de madrugada, a não colher fruta do pé, a não ter uma planta...
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. Em doses pequenas tentando não perceber. Vai afastando uma dor aqui, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce o pescoço. Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. A gente se acostuma... Para não ser ralar na aspereza, para preservar a pele, evitar feridas, sangramentos. A gente se acostuma para poupar a vida. A vida que, aos poucos se gasta. E que, gasta de tanto se acostumar, se perde de si mesma...

(Marina Colasanti)




Tá legal! Eu li, mas...

O que eu mudo em mim? Sempre falam dos problemas, mas quem muda?

Muda sim. Um pouquinho, mas muda.

Porque não tem coragem de mudar? Cigarro é ruim. O povo sabe e fuma. Tá! É um vício químico, mas você quisesse realmente parar de fumar, ter consciência, procuraria um médico e pararia. Porque que quando se lê que o país está uma bosta ninguém muda? Porque ninguém tenta inventar um sistema justo? Por causa do espírito competitivo do ser humano. Ele não permite isso. É utopia Ah...! Tá legal, isso é uma boa desculpa, mas não o suficiente. Eu vou mudar após ter lido esse texto que fala a ruim verdade que acontece? A autora mudou? Será que eu me acostumei a não mudar? Será que eu não vou parar de perguntar? Mesmo que você não mude por completo, tente ir percebendo as coisas ao seu redor e tente melhora-las. Faça! Faça! Faça é a palavra. Quantas vezes você pensou e não fez? "Ah! É mesmo, isso realmente acontece, igual estava no texto". Mas você muda ao perceber? Não sei. Você é quem sabe. Você é quem sabe.

Vitor ouvindo Chico Buarque - Teresinha

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Ao terminar de ler A Natureza da Mordida

Foi a mesma sensação de parar com o marcador página na mão após acabar um livro. Eu não sabia onde colocar meu sentimento após aquele final....