quinta-feira, dezembro 22, 2005

Achado num banco de metrô da linha azul em São Paulo. O vagão estava vazio.

Na década de 80, meu pai, músico, poeta e escritor, veio a falecer. Devido à gravidade de um tumor no pulmão, ocasionado pelo mau hábito de fumar, que se desenvolveu lentamente ao longo de alguns anos, ele não mais pôde resistir na luta contra a doença. Além dela, havia também mais males à saúde comuns em pessoas da sua idade. Ele tinha 88 anos. O coração já estava fraco e as pernas também. Gripes vinham facilmente e a tosse era constante. Contudo, seu raciocínio era rápido e esperto. Podia reconhecer ainda cada instrumento de uma orquestra, cada autor de um bom poema ou de belas e famosas frases. Lembrava tudo. Vinha de sua aposentadoria o sustendo da família que no momento de sua morte era apenas sua esposa, minha mãe. Os quatro filhos estavam desde muito antes crescidos e casados. O lado artístico fora um hobby que sempre acompanhou paralelamente sua vida profissional com maior e merecido destaque. Fora comerciante, da adolescência a seu último dia de trabalho. Tinha um grande armazém. Maior e mais famoso da cidade durante muito tempo. Depois os tempos mudaram, vieram supermercados, lojas especializadas... Minha mãe ainda é viva. Somos nós, filhos, que agora cuidamos dela. Ela vive num asilo e isso foi de sua escolha. A casa lembrava muito meu pai, muito dele ficou ali. Mas aquele teto foi vendido a familiares um pouco distantes. Com 79 anos, após a morte do meu pai, a esposa começou, por mais incrível que pareça, uma nova vida. Ela sempre surpreende, fora por isso que casara com ela, ele contava a todos. Os filhos pararam de ir àquela casa todo mês, os netos não jogavam mais bola no quintal de terra batida e nem acertavam nenhum vaso da vovó vez ou outra. Aquela voz das histórias, acompanhadas pelo belo olhar de minha mãe sempre ao lado confirmando as lembranças do velho, não preenche mais nenhum espaço no tempo presente. Mas ecoa no coração de quem ouviu. Pois sempre construiu como mais humanas as pessoas que a recebiam. Conseqüências do tempo que, se é essencial para a vida, o é também para a morte.

Um comentário:

Ana Carol disse...

Bonito. Pensei no meu pai.

Ao terminar de ler A Natureza da Mordida

Foi a mesma sensação de parar com o marcador página na mão após acabar um livro. Eu não sabia onde colocar meu sentimento após aquele final....