quarta-feira, janeiro 26, 2005

Descreve-se expressões (3)

Sartre, no seu livro A Idade da Razão, fala de um homem que tem "os olhos muito unidos e os lábios grossos", logo no 3º parágrafo do capítulo 1. Eu imagino tudo quanto é tipo de sujeito, mas nenhum parece chegar perto do que o autor quer demonstrar; acabo sempre desistindo de tentar imaginar. Parece que algo me impede e que isso não tem a menor importância. Não crio rostos para personagens de livros que estou lendo; rosto, simplesmente, é uma coisa que não existe nas histórias que se passam em minha cabeça. Acho estranho, porém eu gosto disso. O que vale mesmo é a alma do personagem; o que ele sente, expressa, pensa e etc.

Odeio (não seria bem essa palavra, mas que seja), odeio descrições detalhadas de coisas físicas que enxergaríamos. Ler O Primo Basílio do Eça de Queirós foi um verdadeiro trabalho desenvolvido. Para mim, o que vale mesmo no personagem, é a sua descrição psicológica. É isso o que importa. Eu, quando for descrever um personagem, falarei se é branco ou negro, tem barba ou não, falo o sexo e a situação financeira (o que já será um gancho para falar da psique dele, que é o que importa). Nariz? Boca? Pra quê saber isso? Deixa cada leitor criar a boca, o nariz e a testa que quiser para cada personagem se é que ele dá um rosto para cada. Falarei se tem ou não, vide o exemplo da barba, não falarei como era.

PS: Ao invés de Sartre ter dito "olhos muito unidos" por que não disse: "...muito humildes", "...muito miúdos"? "Tristes"? "Suplicantes" ou "tocantes"? Algo que coubesse com a vida atual do personagem e não com a cara de sempre dele, imudável.

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Ao terminar de ler A Natureza da Mordida

Foi a mesma sensação de parar com o marcador página na mão após acabar um livro. Eu não sabia onde colocar meu sentimento após aquele final....