Fui até o elevado às 23h30 de uma noite agradabilíssima. De onde se pode ver boa parte da cidade. Um mirante. Mirei essa cidade que carrega em sua alma o nome de um santo e tem consigo todos os pecados e maravilhas humanas. Tem também maravilhas naturais, tantas árvores por entre o cimento, um céu de lua e estrelas que hoje só com a sua beleza vence a poluição do ar. Observo que as flores não erram, pois nascem como nascem grandes amores, bem-querer puro, e assim se mantêm. Contudo, algumas efêmeras demais... E tudo é efêmero. Contudo, nunca deixam de nascer. Insistem certeiras nessa vida em direção ao sol e nutridas da água trina que está no céu, no ar e na terra. Essa água que preenche a nós, esponjas sedentas do encontro com o que nelas está contido. Essa coisa que a água dá sem nada cobrar. Essa coisa que faz a noite não ligar que o dia receba por ela todos os agradecimentos pelas flores abertas no seu ventre estrelado, como me ensinou um poeta indiano.
Lembrei que acordei atrasado. O Daniel já estava em pé. No ônibus, sentados eu e ele, vejo meu amigo apontar para um jovem ao nosso lado e me dizer que aquele precisava de ajuda. Mal pude ver o rapaz, pois o violão do Daniel me tapava a visão. É um violão numa capa bem grande. Até que chegou uma senhora que nos fez levantar, para recebermos o prazer de ceder um lugar confortável a quem mais o merece. De nós dois, quem em pé ficou foi o Daniel. Eu me sentei e estava bem ao lado do rapaz desmaiado, tendo entre eu e aquele o corredor do ônibus. Finalmente, avistei por inteiro aquela vida que não nos no sorria e assustava de tão fina que em fio parecia. Mas, se ali faltava totalmente a alegria que gostamos de ver nas pessoas, sobravam as mãos que pedem ajuda e nos oferecem a possibilidade maravilhosa de fazer algo para mudar aquela e a nossa situação. Eu e o Daniel nos encarregamos do rapaz. Ao sentir sua mão quente, mas não muito, me tranqüilizei um pouco, pois somente olhar aquele rosto me privava de qualquer sensação de alívio por mínima que fosse. Inicialmente não cheirava nada, depois senti o álcool. Após o exame chulo de dois jovens comunicadores decidimos levá-lo ao hospital que logo se encontrava em nosso percurso pela Teodoro Sampaio, no próximo ponto de parada do ônibus.
Tive amor pela soma que eu e o Daniel éramos ao carregar tão esgotado corpo de tão fino espírito e tão confuso pensamento naquele momento. A médica quase nada fez além de receitar banho frio e repouso. Após tão nobre atendimento, carregamos conosco aquele que como um filtro de barro, que pinga gota a gota, melhorava. Porém, filtrar toda a poluição de um exagero daqueles em alguns minutos só pode um milagre. O filtro do rapaz pingou gota a gota no tempo que a ciência advoga.
Eu e o Daniel, que será meu padrinho de crisma no próximo dia quatro do mês de novembro nesse ano de dois mil e sete (faço questão de frisar aqui essa data tão tão especial), íamos a um dos eventos da Semana Mundo Unido promovido pelo Movimento dos Focolares. Um piquenique cultural no Parque da Água Branca perto do metrô Barra Funda. Lindíssimo parque que recebe dos visitantes o sentimento do feliz amor expresso em dadas mãos de casais, risos de crianças, satisfações de mães, divertimento de jovens, caminhar de avós, contemplações da natureza abundante e 'matada sede' em generosos bebedouros.
Ao chegarmos ao parque, sentou-se num banco o nosso amigo, que já melhorara um pouco e andava sem nos somar num apoio sob os braços, porém nos somando como apoios constantes na atenção para ele oferecida e por ele recolhida. Aceitou um caldo de cana e em seguida alguns biscoitos de aveia e mel. Falou um pouco. Estávamos com os amigos, que ali tanto antes chegaram na hora marcada. O desvio imprevisto estendeu para mim e o Daniel o tempo nosso daquele dia. Enfim, já éramos um bom grupo de pessoas ajeitando tudo.
Os amigos. Vários cumprimentos realizados. Simpáticas perguntas, conversa sutil e, sobretudo, útil na construção de uma fraternidade sonhada. Nos ocupamos de nossos previstos deveres para com o piquenique e nosso amigo para com o previsto sono avassalador de sua dura ressaca.
Quando, no mirante, lembrei disso, pude sorrir da situação como o adulto esperançoso que vê um jovem errando no seu aprendizado. Olhei mais a cidade e lembrei que o evento seguiu bonito. Houve em mim inicialmente dúvidas vindas de julgamentos sobre o que fazíamos e julgamentos vindo de dúvidas. Porém, rápido, por ser tão boa a companhia desses tão bons amigos, estava em liberdade. Amigos que fazia na hora e, que por estarmos ligados a algo infinitamente puro e belo, podia sabê-los como amigos mesmo em um primeiro contato. Um encontro pela fraternidade traz tais possibilidades à tona, totalmente nascidas de uma vontade que por si só se realiza: amar.
Iniciamos falando sobre o evento. A fala do Fabiano nos percorreu cheia de espiritualidade, organização e conscientização, mas tão pouco carregada de liderança; pois o líder ali era um ideal, uma verdade, uma beleza, que almejada em comum a tudo governa.
A programação previa uma caminhada pelo parque que seguiu elegante como um cavalo marchador pela força e vida de uma verdade que estampávamos em coloridas bandeiras, porém, ao mesmo tempo, humilde como alguém que a tudo ouve e atende no máximo de seus potenciais sorrindo sabiamente.
A caminhada teve uma primeira parada onde ouvimos Fausto explicar sobre a importância da coleta seletiva com muita presença em sua fala e completude que, o momento, dele exigiu. A próxima parada fora na água. O ponto pelo qual eu e Kika ficamos responsáveis. Ela introduziu, eu li de cima do antigo bebedouro de concreto, uma poesia linda de ótimo autor sobre a água, sobre beber água. A Kika falou sobre o valor desse bem que deve sempre continuar com suas características de inodoro, incolor e conter o gosto da satisfação de realizar o seco desejo da sede que se segue em todos nós. Contei o roteiro do banho que tomo a maneira econômica e faço uso do menos possível de água e eletricidade, mantendo tanto quanto ou mais a eficiência de minha higiene.
Andamos mais um pouco pelo parque e como os demais transeuntes, paramos para contemplar o lago, seus peixes, patos e pequenas tartarugas singelas para os que as puderam enxergar. Seguimos para o terceiro ponto. Papel reciclado era o tema cabido a Mafalda. Seu ponto não era nos caminhos de cimento do parque, era dentro mato. Dentro do mato onde vivem algumas horas por semanas alguns escoteiros de São Paulo. O ambiente ali era verde e perfeito.
Contudo não tratamos sustentavelmente o que como humanidade sabemos por meio ambiente. Por isso fazer essa caminhada com pontos ditos de conscientização ambiental.
Bateu uma brisa no mirante delicioso, refleti um pouco sobre como estavam as pessoas, cada uma desse evento.
Como todos que falavam, em sua vez, brilhavam!
Como todos que faziam e acionavam cumprir necessidades comuns a todos irradiavam!
Como todos que participavam ouviam e desenvolviam a mágica luz da presença!
Foram várias as informações tratadas didaticamente sobre reciclagem e, mostrados os meios pelo qual se refaz o ciclo do papel, continuamos para o próximo ponto. Porém, na realidade, eu fiquei no papel reciclado para ajudar com o que tudo ali fora montado, ajudar a recolher, como havia prometido e não participei do último ponto que fora tratar sobre atividade física. Por esse ficaram responsáveis a Vivi e a Mari. Não sei como foi exatamente, mas houve um alongamento e elogios oriundos de corpos satisfeitos com a atividade.
Talvez não haja momento melhor para encaixar essa tola piada que tanto tanto guardei e ainda não usei. Quem fotografou a caminhada, reparei, foi a Vivi. Acreditava também que, assim como os que falavam, ela tinha um "brilho" todo especial nesse ato de registro e genitor da possibilidade de compartilhar em parte restrita e enquadrada visualmente o evento com quem não pudera participar do que conosco acontecia. Mas reparei melhor e aquele brilho, era, na verdade, ao apertar do clique, o flash da câmera fotográfica. Brincadeira, Vi!
Voltei a ver o Daniel no final da caminhada quando a outra parte da programação do dia iria começar. A parte da programação que as pessoas chamavam afinal de programação. Aos poucos sorvi da compreensão dessa restrição em chamar apenas essa quase metade do evento de programação. O Daniel não fizera a caminhada, tinha que ajeitar as coisas da programação. Ali, montamos um quebra-cabeça gigante carinhosamente preparado pela Vi e pela Ju, que ficou lindo e pude ver antes delas cortarem em peças o desenho que reproduzia impecavelmente a imagem do logo dessa semana mundo unido. Não foi fácil encaixar aquelas peças. Demorou um bocado e antes julgara com essas palavras parecer coisa de criança. Vida de criança não é tão fácil assim como a gente pensa.
Após o quebra cabeça, Mari e Pedro foram os mestres da cerimônia. Explicavam o que acontecia, logo teve música. O Daniel tocou violão com o Gustavo e cantou. Houve toda aquela sensação que percorre as pessoas que ouvem música e não se distraem. Depois ouvimos os depoimentos do Diego sobre outros eventos de outros anos e suas experiências. Experiências do pessoal da Árvore da USP, que compõe um grupo do qual eu faço parte e onde eu me encontrei pela primeira vez com essas pessoas de hoje, à exceção feliz e essencial de alguns amigos antigos, entre eles o Daniel.
Aquele rapaz que fora encontrado no ônibus ainda dormia. Mas fora atendido, alimentado por quem por ali esteve arrumando as coisas da programação durante a caminhada que fomos fazer. No final, pôde ir embora o suficientemente recuperado. Como havia perdido sua carteira e sua mochila, demos a ele cinco reais para o transporte até sua casa.
Em uma das músicas, as meninas arriscaram uma coreografia graciosa. Demos agendinhas de nossa 'proposta para um mundo unido' a pessoas que se integraram a nós, aos guardas que estavam ali e a tudo assistiram. Sentamo-nos no chão. Houve uma apresentação de fotos, narrada a sotaque português, de outros eventos de outras semanas, de outras cidades, outros países, outros de nós. Todos querendo ser um.
Apoiei-me, como quem estica todos os tendões dos braços e a espinha, sobre o corrimão do mirante, respirei como quem nutre com oxigênio todos os poros dos pulmões... E olhei para o infinito que todos nós, que realizamos aquele dia tão especial em nossas e em outras vidas, mirávamos. Para onde caminhávamos. Para onde esse caminho leva. Pensei em mim, que estou seguindo minha vida ao lado dessas pessoas e desse ideal de unidade. Que escolha eu fiz! Que oportunidade me foi dada, meu Deus! E, após esse pensamento, reverberaram em mim mil idéias, de maneiras de agradecer pela vida. Concluindo que essa vontade de agradecer, como o amor, por si só se realizava naquele momento. Pois era amor. Ali, olhando a cidade, a melhor forma de agradecer era reconhecer tudo o que me foi dado e que me foi dado por amor! Por amor.
4 comentários:
Sem dúvida um sábado inesquecível, aquecido pelo milagroso sol refrescado por suaves sombras das graciosas árvores que no parque existem e cheio de amigos para poderem compor esse cenário de fraternidade universal!
Obrigada!!!
Vitorino, cada vez leio algo seu, me dou conta de
quao grande e tua alma. Me sinto orgulhosa de ser sua
amiga e saber com certeza tb contribui um pouquinho
nessa alma...
bjos gigantes!!!!!!!!
Raquel
Foi uma experiência samaritana vivida de modo formidável, durante uma semana muito bacana, e o seu texto faz jus a tudo isso! Podemos dizer que aquela jornada teve um relatório à altura...
Aproveito pra deixar meu elogio: cara, seu estilo é realmente muito bom! É de uma estética impressionante... Obrigado por dar vazão a esse dom, escrevendo e compartilhando coisas tão bonitas! Continue assim! :c)
Antes de eu escrever, o Daniel me mandou essa mensagem no celular: Vitor! Muito obrigado por hoje! Sem você não seria possível ajudar o Diego. Estou muito feliz por Deus ter nos dado essa oportunidade! Continuemos! Toda unidade! Mande meus parabéns a Fernanda! Abraço! Daniel
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