Na faculdade, a professora analisou algumas capas de revistas. Aula de semiótica dentro do curso de teoria da mídia. Me chamou a atenção essa da trip que corre as bancas agora. Como ainda não tenho opinião formada sobre o assunto, ou seja, não sei se teclarei o sim ou o não na hora do voto para o tal referendo, e como a análise da arte gráfica da revista em aula foi boa “prá dedel”, resolvi comprar quando procurava um mangá para o meu irmão que não achava essa história em quadrinhos japonesa no interior.
Ainda estou lendo a matéria do desarmamento que ocupa 16 páginas da revista trip. Formando opinião, reparando na produção gráfica de uma mídia impressa e tendo muita vontade de produzir coisas do tipo. Mas o que me fez abrir o word, achar a foto da capa da trip no site da revista e começar a escrever isso aqui foi a lembrança que me veio, agora em mente, no meio da leitura da entrevista com o Carlos Alberto Paranhos Murgel, chefão da Taurus, a maior empresa de armas de pequeno porte do Brasil e que mais exporta do que vende para o nosso ‘mercado interno’. Mas deixemos os dados técnicos de fora do ctrl+alt+blog, vamos às narrações, digo, à narração motivo do post:
Quando estava na quinta-série, estudava de manhã. Era um colégio do estado em Aparecida, onde cresci. Nem acredito estar falando isso: onde cresci... Sinto-me adulto demais. Pois bem... A cidade onde cresci. No banheiro dos meninos sempre tinha uma roda dos grandões da oitava série fumando maconha. A gente abaixava a cabeça, evitava encarar e ia direto para a cabininha junto ao sujinho amigo vaso sanitário. Grande amigo em muitas horas de muito aperto. Eventualmente, alguns daqueles vasos explodiram naquele ano. Mas nada tão alarmante. As brincadeiras com bombas foram só um ano, o único que estudei no colégio, e depois as notícias não corriam mais pelas bocas das pessoas: “A coisa tá feia lá no colégio tal...”. Manobras da direção inverteram o caminho que os alunos estavam dando à história da escola. Mesmo com isso tudo, o colégio era bem legal e a turminha da quinta-série não se envolvia em nada de explosões e tragadinhas no banheiro. Tínhamos coisas mais interessantes para preenchermos o tempo. E como cabiam coisas no tempo naquela época! É o que todos dizem: o tempo das crianças é bem maior que o tempo dos adultos. E, assim como o tempo, as pequenas coisas dos adultos são grandes para as crianças.
Em um dos dias da semana, íamos à tarde para o colégio. Ou melhor, voltávamos à tarde para o colégio. Acho que era para vagabundear, digo, se encontrar com os amigos. Sei que não era para a educação física, pois ela era numa primeira aula de manhã. Lembro bem dos aquecimentos que fazíamos para sobreviver no frio que tinha às sete horas da manhã no inverno. Não estou exagerando quando digo sobrevivermos, é que era assim que enxergava as aulas de dias frios no cimento daquela época. Ainda faço os exercícios de aquecer as mãos que fazíamos para poder jogar vôlei naquele horário ou naquele frio. São eficientes; melhor que esfregar as mãos porque ele a aquece de dentro pra fora. Por algum motivo, tínhamos ido ao colégio à tarde. E como nos espantamos quando vimos o que Isaac tinha entre os dedos. Ficamos fascinados e ao mesmo tempo com muito medo enquanto ele exibia meio acanhado o metal recheado de pólvora. Estávamos em poucos, um grupo de 7 pessoas no máximo, umas duas ou três meninas e o resto moleque. Acumulávamo-nos num banco e quem sobrava ficava em pé, mas junto a todos. Acho que eu estava com os que estavam em pé, talvez segurando minha bicicleta monarque verde-limão e roxa bmx superstar. Nós acumulados no banco de cimento e nossas atenções acumuladas na bala de revólver que o Isaac pegara do pai dele. Era meio amarela, só ficava na mão dele, ninguém podia pegar. Tínhamos que fazer alguma coisa com aquilo, mas o Isaac: “não, não... Vocês tão loucos? Fazer o quê?”. Fazer o quê? A pergunta chicoteou no cérebro do Aldo. Ele tinha uma agilidade incrível. No futebol sempre estava no ataque e era ele que continha os melhores dribles. Não era o que fazia mais gols, mas era quem fazia arte com a bola no pé, bonito de ver! Acho que eu nunca fui amigo como fui do Aldo de alguém que fizesse dribles tão bonitos. Uns dois anos atrás, encontrei o Guinho no ônibus, que também estava no banco com a gente no dia que Issac levou a bala para a colégio, e ele me contou sobre o Aldo. Morreu num acidente de carro que capotou. Curva em estrada velha. Só tive contato próximo com essa turma naquele ano. Tinha acabado de entrar no colégio e logo na sexta-série já estava em outro. O tempo tinha removido o vínculo de amizade que tínhamos, mas mesmo assim senti bastante quando soube o Aldo morto. Nunca havia perdido nenhum amigo, ex-amigo ou colega de minha idade. A notícia me bambeou. Mas, voltemos! Naquela época, o Aldo era o ágil da turma quando nem sabíamos ou não usávamos a palavra ágil. A pergunta parou de chicotear e produziu um som em resposta, isso tudo durou 2 segundos no máximo: “vamos estourá-la, ué?”. Vamos estourá-la, lógico... Não se podia fazer mais nada além disso. Nem dava pra brincar de polícia e bandido porque era só uma bala, menor que o maior de nossos dedos aliás. O Isaac acabou topando e a calçada era de paralelepípedo como as ruas-de-pedra. Encaixamos a bala entre duas pedras firmes do chão, ponta para cima, o Guinho que era mais forte ergueu uma pedra solta e soltou em cima. Não deu certo, difícil acerto. O mais fácil é coisa pequena acertar uma coisa grande do que uma coisa grande acertar uma coisa pequena, pois coisa pequena foge fácil e passa por onde não passa a coisa grande. Lembro que tentamos algumas vezes, olhando se as pessoas nos olhavam, mas não havia ninguém próximo. Uma hora acertamos a bala e ela explodiu. Não lembro do barulho, mas teve algum som forte sim. Só que, quando baixamos a cabeça para bem perto de onde a bala estava presa dobrando os joelhos, não havia nada ali. A bala desaparecera! O Isaac ficou doido. Começamos a procurar. Ele próprio achou o que sobrou, guardou, não mostrou pra ninguém e foi embora dali. Aquela busca me lembrou o reveillon de criança que procura a rolha de plástico da champanhe para mostrar que a encontrou e ficar enfiando o dedo nela a fim de fazer barulhos de ploc quando o dedão sai. Não contei nada dessa história para os meus pais, óbvio. Tinha sido legal ver a coisa de verdade, ao-vivo. Pedalei até em casa pensando em tudo. Sempre foi perigoso pedalar distraído pelas ruas dos carros, mas nada me aconteceu. Cheguei em casa e já tinha ia me esquecendo de tudo com as coisas que me apareciam pela frente. Também, já tinha passado tanto tempo de criança.
E de lá até hoje, acho que eu só lembrei desse fato umas 3 ou 4 vezes se muito. Nem creio muito na lembrança que descrevi agora porque não me recordava disso e nossa! realmente aconteceu. Caramba! cada coisa que vai acontecendo nesse negócio de crescer. Ontem minha mãe falou do Isaac, ele trabalha na papelaria que ela é cliente. Isso, somado ao estar lendo a matéria do desarmamento, me fez recordar. E “recordar é viver” é o que dizem. Eu digo que recordar é ter vivido. Mas não discordo da frase de todo. Porém -- vamos discutir isso -- recordar só é viver quando você recorda as coisas com outras pessoas, conversando, estando pessoalmente. Não escrevendo como estou agora. Nunca vou me lembrar e falar para os outros: “escrevi uma vez que aconteceu na minha infância...”. Eu vou dizer: “aconteceu na minha infância, uma vez...”. Isso sim! Escrever não é viver não. É parar um pouquinho para viver melhor depois, assim como ler.
Um comentário:
Eu vou votar contra a proibição, hehehehe, se não me confundir na hora com esse jeito complicado de escrever, hehehe.
São várias as coisas que quando eu lembro, assusto pq como pude esquecer, hehehehe.
Bjssss
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